terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Goya: O descobrimento de um artista e o encantamento por suas obras.

Conheci Goya na graduação. Suas aterrorizantes gravuras feitas com a técnica da água-forte, que chocam por serem uma crítica social me fascinaram. Ele se tornou meu objeto de estudo durante a Iniciação Científica e agora também faz parte dos meus planos para o futuro. Separei aqui, duas de suas obras com mesmo tema: a romaria, a peregrinação a Santo Isidoro. Usei esse mesmo tema em um encontro de estudos sobre a imagem (ENEIMAGEM) em Londrina e também em um trabalho da pós. Há pouco tempo descobri que tal comparação já havia sido feita por Robert Hughes em seu livro Goya, mas prefiro manter a minha versão de analise.

Trago aqui um pequeno recorte dos meus estudos. Mesmo sendo um recorte, o texto acabou se estendendo, mas insisto em dizer que vale a pena conhecer um pouquinho deste grande artista, embora eu entenda que não seja tão legal ler um texto longo. As referências eu deixei para o final.

Goya (1746-1828) viveu em uma Espanha marcada por acontecimentos históricos: perseguições religiosas, corrupção, injustiças, revoltas populares, invasões napoleônicas, ideais Iluministas, guerras civis, miséria e fome.
Goya trabalhou para a corte Espanhola onde realizava pinturas para Tapeçarias, uma delas é A padraria de San Isidro, de1788.

Santo Isidoro é o santo padroeiro de Madrid, portanto o dia é de festa na cidade. As pessoas se reúnem
para receber a bênção do santo, festejam o seu dia com alegria. A obra traz em seu primeiro plano, pessoas descansando, conversando, festejando, comendo e bebendo. Separando o campo onde as pessoas festejam da cidade, está o rio Manzanares, e ao fundo as construções de Madrid – observamos em especial dois edifícios: o palácio Real e a Catedral de São Francisco El Grand.
O dia é claro, o céu é um mix de um cor-de-rosa bem suave e um azul que vai de seu tom mais claro a um quase cinza. A luz do dia deixa mais
claro os brancos vestidos das damas e as construções madrilenas do fundo. O ponto de fuga se dá onde damas estão sentadas acompanhadas de alguns cavalheiros. No primeiro plano do quadro, à esquerda desse pequeno grupo, há uma mulher com um traje branco, sentada sob a sombra feita pela sombrinha que outra mulher segura, sua mão aponta algo ao fundo do quadro, mas seu rosto está virado para esse grupo que se apresenta no primeiro plano na obra. Um casal olha para essa mulher, talvez, esperando ouvir dela alguma coisa, mas ela está de boca fechada.
Existem outros personagens enigmáticos que Goya coloca em sua pintura. Logo atrás das duas damas do primeiro plano, estão dois cavalheiros, um olha as donzelas admirando-as, chega a descansar seu rosto sobre os braços apoiados em sua bengala – posição muito usada por Goya para representar a melancolia – o outro cavalheiro, ao seu lado, tem as feições monstruosas, chegando a ser até mesmo abobalhado, além disso, seu olhar está voltado para o espectador, diferentemente do cavalheiro que o acompanha, ele não admira as mulheres a sua frente, nem a festa, e nem mesmo o dia. Ele olha fixamente para fora da tela.
Representando o povo espanhol, Goya demonstra diferentes classes sociais: há mulheres com sombrinhas e várias carruagens (elementos que pertencem à classe alta) há também pessoas dançando, soldados uniformizados e pessoas comuns, todos em busca da benção do Santo.

Nos anos que seguem Goya deixa transparecer em suasobras o monstruoso, o fantasmagórico, o sombrio. A peregrinação a Santo Isidro de 1820-23, pertence à série de Pinturas Negras. É impactante o contraste entre essas duas obras. Nesta obra que traz uma multidão fantasmagórica não se festeja o dia do santo, apesar da peregrinação ser em seu nome, San Isidro não purifica mais. Não temos um cenário madrileno, as pessoas estão assustadas, aterrorizadas e com medo.

Há uma multidão fantasmagórica que segue em fila e ocupa grande parte da tela. Não se pode mais reconhecer o lugar, não há elementos que permitem identificarmos onde essas pessoas estão, quem são elas. São apenas uma multidão anônima, um grande aglomerado de gente em peregrinação. Não se pode ver se é dia ou se já é noite, há uma predominância de cores escuras, o cinza, o marrom e o preto, unem o céu e o relevo montanhoso com a tristeza e a lugubridade do povo.
Neste quadro, Goya mostra uma peregrinação que não purifica, sem sentido. Não se pode mais ter certeza do que eles buscam. O povo já não festeja. O medo toma conta das pessoas. Goya descobre que a origem não é a luz, que a origem é também cheia de sombras. Os peregrinos não são os mesmos. A fila sombria que segue é a procissão dos miseráveis da Terra. Há um imenso contraste, seja nas cores e na composição, como no que San Isidro se tornou para o povo espanhol.
No grupo que segue na frente, que carrega a procissão, vemos rostos de espanto, de medo, personagens que dirigem seus olhares para frente, para fora da tela. Talvez, depois de todo o sofrimento do povo espanhol, eles estejam enxergando a luz, a qual nunca viram, talvez seja esse o motivo da expressão assustada dessas pessoas, ou talvez, Goya tentou mostrar que após a longa caminhada em busca da luz (dos ideais Iluministas cridos pelo povo espanhol, e mesmo pela esperança de todo a humanidade em um mundo melhor) o espanto desses olhos arregalados, seja a descoberta dessas pobres pessoas, a descoberta das trevas. Nessa sombria peregrinação há apenas um homem com seu violão no aglomerado de pessoas, mas sua canção não parece ser de alegria.
Com o passar dos anos, Goya deixou transparecer nas obras sua amargura pelo mundo, seu desespero pela estupidez e pela ignorância do povo espanhol bem como o destino da humanidade. Embora essas duas obras não representem todo o artista melancólico que Goya foi, elas deixam clara a visão que ele teve do mundo e do povo de sua época. Expondo as contradições e o trágico da vida, ele mostra quão triste e sombrio o homem se tornou.



Referências:

HAGEN, Rainer, ROSE-MARIE. Francisco Goya 1746-1828 . Colonia: Taschen, 2004.
HUGHES, Robert. Goya. São Paulo: Cia das Letras, 2007
OSTROWER, Fayga. Goya: artista revolucionário e humanista. São Paulo: Imaginário, 1997.
PASSETI, D. V. Goya e o bestiário do poder. In: BAUDELAIRE, C. et al. Os Caprichos de Goya. São Paulo: Imaginário, 1995, p. 33-39.

4 comentários:

Leonardo Léllis disse...

Parabéns, linda. Com você até eu entendo mais de arte. Goya é muito bruto. =P

Marcella Campos disse...

Carla!!!!!!!!!! Que legal =D!!
Eu não sabia quase nada sobre o Goya, só sobre a Maja Desnuda, por causa de uma aula de espanhole qdo cheguei aqui e vi a Maja Vestida quase morri ahuah e qdo vi a fase negra então vixi, dai vi a loucura do nego que era esse cara.
Vc escreve super bem...Mto bom o Blog...queremos vc de PROFESSORAA =D
bjao

Loraine disse...

Excelente

Pedro Conte disse...

Eba, ontem a gente foi la ver os dois quadros, no Prado. Se n fossem os seus toques, tinha passado em branco um moooooooonte de coisa. Obrigado!